O tema objeto deste trabalho é o
mundo bíblico e a sua situação na atualidade. Foram, sobretudo, as seguintes
razões que motivaram a escolha: a natureza multidisciplinar, a possibilidade de
investigar novos campos do saber e a tarefa de articular o passado, o presente
e o futuro. O desafio cultural e social também determinou o tratamento da
problemática em discussão, dado que a literatura bíblica acompanhou a história
ocidental e continua a fazer parte da memória, razão pela qual este assunto
merece uma abordagem aprofundada.[1] O problema em estudo
confronta-se com o facto de a Bíblia ser considerada um livro religioso e os
estudos bíblicos serem, sobretudo, do domínio da teologia. Perguntas teológicas
merecem trabalhos sérios, porém não é esta a tarefa da presente investigação,
dado que se trata de uma análise histórica.[2]
No entanto é de lembrar que os textos bíblicos lidam também com questões históricas
e culturais e o mundo bíblico faz parte dos estudos históricos. Na Faculdade de
Letras da Universidade de Lisboa, a história e cultura de Israel estão
integradas no primeiro ciclo de estudos da área de História e, no segundo
ciclo, o mundo bíblico é uma das unidades curriculares opcionais em História. É
de salientar ainda que a Faculdade de Letras de Lisboa teve dois catedráticos
de História Antiga - especialistas em estudos bíblicos[3]
e foram realizados mestrados e doutoramentos nesta temática. Ao longo dos anos,
muitas obras científicas, ligadas à Bíblia e seu mundo, foram publicadas por
autores associados à Faculdade de Letras[4].
Portanto o mundo bíblico na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa
merecia um estudo próprio, no entanto, o presente trabalho de projeto visa a
formação dum público que está a exercer funções em comunidades educativas.[5]
Neste trabalho, o foco é centrado
no contexto bíblico e a abordagem trata tanto o passado, como a situação do
presente e a atuação no futuro. Os principais objetivos são examinar de forma
metódica e abrangente tanto o mundo da Bíblia no contexto original, como as
representações do mundo bíblico num âmbito da sociedade em geral e apresentar
propostas de atuação para multiplicadores. Os temas que incluem a história e
cultura bíblica são amplos, por isso os critérios de escolha dos assuntos
aprofundados na primeira parte foram selecionados conforme o interesse pessoal.
A problemática em causa trouxe o desafio da extensão de questões e por outro
lado tem sido um privilégio poder investigar esta área do saber neste ciclo de
estudos “(…) em contextos alargados e multidisciplinares, ainda que
relacionados com a sua área de estudo, (…).”[6]
Os objetivos delineados pelo projeto foram: estudar temas chave do mundo
bíblico; conhecer a situação da compreensão do mundo bíblico em algumas comunidades
educativas da Grande Lisboa, operando os resultados obtidos como indicadores
socais e entrevistar responsáveis de instituições em Portugal e em Israel;
elaborar propostas de atuação para o ‘Sector Animação Bíblica e Cultural’ da
Sociedade Bíblica de Portugal[7] para melhorar o conhecimento
do mundo bíblico na sociedade.
Com o tema a ser dissertado ao
longo destas páginas ‘o Mundo Bíblico visto de hoje’ pretende-se: na primeira
parte, analisar questões da geografia, história e cultura bíblicas; na segunda
parte, investigar representações do mundo da Bíblia em Portugal e em Israel e,
na terceira parte, apresentar propostas de ação para a interrogação ‘mundo
bíblico, que fazer com esta memória?’ Para uma dissertação de mestrado, este
tema seria demasiadamente vasto, razão pela qual a forma assumida para este
estudo final é o ‘trabalho de projeto’, uma vez que tem
características próprias e é de natureza interdisciplinar. Presumivelmente, são
estas as razões pelas quais não se encontraram investigações idênticas.
Contudo, na pesquisa sobre o mundo bíblico - realizada na primeira parte -,
foram consultados estudos que abordam estes temas. As fontes usadas são textos
da Bíblia e bibliografias sobre o contexto dos textos bíblicos. Na segunda parte
- para os critérios das entrevistas -, procurou-se orientação das ciências
sociais e, a terceira parte, baseou-se na orientação teórica inicial, em
modelos consultados e na experiência pessoal. Por conseguinte, o presente estudo concentra-se na história,
geografia e cultura bíblica, na sua representação na atualidade e nas
atividades aconselhadas.
Na parte teórica, não existiu o
propósito de abordar questões da religião, ou teologia. Na segunda parte, é
feita uma tentativa de perceber as representações do mundo bíblico no presente,
porém não se analisaram os respetivos antecedentes e causas históricas e
sociais. As propostas de atuação na terceira parte foram influenciadas pelas
averiguações efetuadas na segunda parte e pela experiência e preferência do
próprio autor. As atividades sugeridas foram acordadas com a Sociedade Bíblica.[8] Nos procedimentos
metodológicos do mundo bíblico, procurou-se consultar fontes originais e
autores que realizaram estudos científicos.[9]
Relativamente à segunda parte, depois do entusiamo inicial em poder realizar
uma pesquisa de campo, verificou-se a carência de preparação académica na área
dos estudos sociais. Não obstante, tendo sido adquirido pouco depois algum
conhecimento pela via autodidática foi possível fazer a investigação empírica,
sem ambições do rigor das ciências sociais. Houve uma concentração na época do
mundo bíblico do início da monarquia de Israel até ao fim do tempo relatado no
Novo Testamento[10]. O espaço geográfico
destacado são as regiões orientais do Mar Mediterrâneo e Crescente Fértil, com
incidência no Levante. É assumido que os textos bíblicos contêm informação
histórica, geográfica e cultural da época[11].
O estudo é diacrónico, no entanto em questões essenciais assume características
sincrónicas. Pesquisas realizadas pelo presente autor - em estudos bíblicos,
história e cultura bíblica e história antiga -, serviram como base para o
presente trabalho de projeto. A nível pessoal, esta investigação foi estimulada
pela sua natureza interdisciplinar - pela possibilidade em poder incluir
questões de geografia, ambiente natural e arqueologia -, em poder estudar o
contexto bíblico numa perspetiva histórica e pela articulação do passado com o
presente e seguidamente pelas projeções para o futuro. Assim sendo, a problemática
a ser desdobrada ao longo destas páginas revela a motivação pessoal,
nomeadamente na importância da contextualização do texto e a pertinência do
‘propósito do texto’ que foi igualmente inspiração para o presente e o futuro,
sendo o trabalho no meio escolar e juvenil uma vocação do autor. O projeto
‘mundo bíblico visto de hoje’ tem relevância educacional em vários níveis,
tanto na educação básica e na formação contínua. O problema a ser tratado tem
ainda importância social, pois os textos da Bíblia e os seus mundos são parte
integrante dos alicerces da sociedade. A importância do mesmo não se restringe
ao público escolar e juvenil, dado que o mundo bíblico faz parte da ‘história e
cultura universal’. O título ‘mundo bíblico visto de hoje’ pode parecer simples
e peculiar, porém a realidade tratada nestas páginas faz parte da civilização e
é de interesse cultural. Neste estudo, os conceitos ‘mundo bíblico’, ‘mundo da
Bíblia’ e ‘história e cultura bíblica’ são assumidos como sinónimos. O mundo
bíblico é encarado como o conjunto dos contextos com os quais os textos
bíblicos se articularam. Os conteúdos com os quais os textos dos livros da
Bíblia estavam ligados foram a história na qual ocorreram; os lugares
geográficos nos quais aconteceram; as culturas com as quais dialogaram; o meio
ambiente natural em que estavam inseridos e a vida diária na qual as pessoas se
moveram. As palavras-chave do presente estudo são: ‘texto bíblico’ - ou seja os
escritos dos livros das Bíblias cristãs -; ‘o contexto bíblico’ - que abrange a
história, geografia, ambiente natural e cultura -; ‘representação’ - onde
questões da história e cultura bíblica se encontram presentes na atualidade - e
‘ensino’ - que tem a ver com o desafio de como a memória pode ser transmitida
de forma persistente, hoje em dia. A ortografia dos nomes geográficos e nomes
próprios da Bíblia é elaborada em ‘português corrente’, por ter sido esta a
forma encontrada pela Sociedade Bíblica de Portugal e pela Difusora Bíblica
para ser utilizada em ‘a Bíblia para todos’ e na ‘Bíblia Sagrada’.
O itinerário pelo mundo bíblico é
um desafio que pode ser comparado a um caminho por terrenos variados, cheios de
trajetos diferentes. O espaço é largo, o tempo a percorrer é vasto e as
culturas a conhecer são variadas, pelo que se trata de uma aventura fascinante,
pois ela vai ao encontro da memória. Uma lembrança que ainda existe na
atualidade e que busca novas formas de recordação.
[1] Na
minha vida profissional tenho constatado o problema da lacuna de conhecimento
sobre o mundo bíblico no meio juvenil e escolar. No início do segundo ano de
estudo, surgiu a possibilidade de poder elaborar o trabalho de projeto como
tarefa final de mestrado. Com o atual estudo, procurou-se igualmente integrar
conhecimentos e competências adquiridas ao longo do mestrado em História -
especialidade História Antiga -. Nomeadamente estudar uma problemática que se
revelou pertinente na prática e articular os saberes teóricos com a utilização
de ferramentas que possam dar solução à necessidade detetada.
[2] Pois,
os estudos de mestrado em história devem ocupar-se com o tema da memória, vide
sobre o mestrado em História da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa,
o artigo 2.º do despacho n.º 9023/2013, disponível em http://dre.pt/pdf2sdip/2012/07/128000000/2346923469.pdf,
[consult. 31 de agosto de 2013].
[4] A
revista CADMO, do Centro de História da Universidade de Lisboa teve em 1991 o
primeiro número e chegou em 2012 ao n.º 22. Dos autores que escreveram sobre a
Bíblia e o seu mundo destacam-se os Professores José Nunes Carreira, José
Augusto Martins Ramos, Francolino Gonçalves e Nuno Simões Rodrigues, vide http://www.centrodehistoria-flul.com/cadmo.html,
[consult. 25 de setembro de 2013]. Na Revista da Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa (FLUL), nº 21-22, 5ª série, 1996/1997, pp. 155-195, vem
o plano de uma cadeira lecionada na FLUL, num texto intitulado ‘A Bíblia e o
seu mundo’, da autoria do respetivo docente Professor José Augusto Martins Ramos.
Menciona-se ainda a edição portuguesa do ‘Atlas Bíblico da Grande Enciclopédia
Portuguesa e Brasileira’ que foi realizada pelos Professores da FLUL: José
Nunes Carreira, José Augusto Martins Ramos e António Ramos dos Santos, vide
“Colaboradores”, Atlas Bíblico da Grande
Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, James B. Pritchard (diretor
principal), José Nunes Carreira (ed. port.), Lisboa, Edições Zairol, 1996, p.
5.
[5] Pois,
neste ciclo de estudos não estou preparado para projetar intervenções no nível
universitário.
[6]
Citando o ‘Ciclo de estudos conducente ao grau de mestre’ da Reitoria da
Universidade de Lisboa, vide artigo 20.º, do capítulo IV do despacho n.º
4624/2012, disponível em http://www.ff.ul.pt/wp-content/uploads/2012/03/REPGUL-Mar%C3%A7o2012.pdf,
[consult. 31 de agosto de 2013].
[7] O
alvo da terceira parte é apresentar propostas de ações para o ‘Sector Animação
Bíblica e Cultural’ da Sociedade Bíblica de Portugal (SBP). Uma possível
cooperação com a SBP tinha motivado a escolha do trabalho de projeto e
seguidamente a projeção de atuações para o ‘Sector Animação Bíblica e Cultural’
da SBP com o propósito de que pudessem contribuir para uma melhor compreensão acerca
do mundo bíblico no ensino e na sociedade. Há algum tempo, tenho estado em
diálogo acerca da situação do mundo bíblico com o secretário-geral da Sociedade
Bíblica e a intenção de realizar um estudo neste âmbito surgiu neste contexto.
[8] Na
temática das representações atuais do mundo bíblico, tentou perceber-se o
conhecimento do mundo bíblico em algumas comunidades educativas, operando estes
como indicadores. Foram também realizadas entrevistas a membros de entidades
que têm como objetivo o ensino ou promoção de áreas ligadas ao mundo bíblico.
Na pesquisa sobre livros não académicos que abordam o mundo da Bíblia,
pretendeu-se saber o que existe em português de Portugal com o fim de ter uma
base de dados de literatura para futuras atuações. As entrevistas em Israel
serviram como inspiração e orientação para a terceira parte do projeto de
trabalho. As visitas realizadas e propostas foram documentadas com referências
eletrónicas.
[9] Na
biblioteca da Faculdade de Letras, o mundo bíblico encontra-se em várias secções,
na religião, história, cultura clássica, porém também na literatura e filosofia
e nas bibliotecas dos vários centros de investigação. Na biblioteca da
Universidade Católica consultei as secções de teologia, história, literatura e
ciências sociais. O meu próprio acervo bibliográfico também me foi muito útil e
adquiri vários livros. O ‘Atlas Bíblico da Grande Enciclopédia Portuguesa e
Brasileira’ relevou-se ser uma fonte de informação valiosa para o assunto em
questão.
[10] Ou
seja, cerca de 1000 a. C. até ao fim do primeiro século d. C..
[11] Os testemunhos da Bíblia
foram contextualizados com textos relacionados do Médio Oriente Antigo e
achados arqueológicos.
[12] Vide
Dietrich Schwanitz, “Panorâmica Geral”, Cultura: Tudo o que é preciso saber,
Lisboa, Dom Quixote, 2004, p. 17.
[13] Vide Chaim Raphael, “The Two Traditions: the
Hebraic and the Hellenic”, Literature and
Western Civilization, volume I - The Classical World, David Daiches e
Anthony Thorlby (eds.), London, Albus Books, 1972, p. 488.
[14] Vide
José Nunes Carreira, Outra face do Oriente - o Próximo Oriente em relatos de
viagem, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1997.
[15] Vide
Impressões do Oriente [catálogo da exposição]: de Eça de Queiroz a Leite
de Vasconcelos / textos de Luís Manuel de Araújo, Luís Raposo, José Pessoa;
fot. Sofia Torrado, Tânia Olim, Lisboa, Museu Nacional de Arqueologia, 2008,
pp. 40-44.
[16] Vide
José Nunes Carreira, Por terras de Jerusalém e do Próximo Oriente, Mem
Martins, Europa-América, 2003.
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